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A Guerra dos Streams: Entre Algoritmos, Memórias e o Valor do Nosso Tempo

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Era uma vez, não tão distante, uma sexta-feira em que o maior dilema da noite era escolher entre “Ghost” e “Um Morto Muito Louco”, com a fita VHS na mão e a certeza de que a locadora fecharia às 22h. A escolha era feita com base em dicas do amigo, da vizinha ou daquele atendente cinéfilo de plantão, e nosso precioso tempo e dinheiro encontravam abrigo numa seleção feita com carinho e expectativa. Pois bem, hoje o cenário mudou. Mudou tanto que, se por um lado temos abundância, por outro nos afogamos nela.

A chamada “guerra dos streamings” não é apenas uma disputa de mercado; é uma batalha silenciosa por nossa atenção, nosso bolso e, sobretudo, por nossa forma de ver o mundo. A Netflix, antes soberana e quase sinônimo de streaming, agora divide espaço com mais de uma dezena de concorrentes, cada qual tentando nos convencer de que ela, e só ela, é a que mais entende nosso gosto.

Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD/IBGE) de 2023, mais de 77% dos domicílios brasileiros têm acesso à internet com banda larga, e 58% desses domicílios consomem algum serviço de streaming regularmente. Mas, se antes bastava pagar uma mensalidade e resolver a vida, hoje há Netflix, Max, Prime Video, Disney+, Globoplay, Apple TV+, Paramount+, Mubi… a lista é tão extensa quanto o catálogo de cada uma. E nosso bolso, diferentemente dos algoritmos, não multiplica sozinho.

A pesquisadora de mídia digital da USP, Carolina Terra, afirma que “a diversificação do mercado de streaming criou nichos muito específicos, mas também trouxe uma sensação de frustração e fadiga no usuário, que se vê obrigado a pular de plataforma em plataforma em busca de conteúdo como quem troca de canal eternamente, só que agora paga por cada controle remoto.” Uma constatação tão atual quanto incômoda.

Enquanto a Netflix se consolida como o fast-food do entretenimento acessível, rápido e sempre com um novo “lançamento do dia”, a Max (ex-HBO Max) surge como o restaurante com cardápio autoral e pratos que você saboreia lentamente. É onde mora o prestígio, os Emmys, os roteiros densos. Uma espécie de “Casa de Cultura” dos streamings. Já o Prime Video, por sua vez, é como aquele brechó onde você pode encontrar uma jaqueta de couro de 1986 por R$ 20 ou só poeira e desordem. Requer paciência, mas pode recompensar.

MediaCenter_Android_Tablet_Home_BR_PT A Guerra dos Streams: Entre Algoritmos, Memórias e o Valor do Nosso Tempo

A Disney+, com seu acervo de heróis e princesas, é quase um baú de memórias afetivas. Seus conteúdos são tão familiares quanto os domingos na casa da avó. E o Globoplay… bom, este é o mais brasileiro de todos: mistura novela, reality, jornalismo e aquele jeitinho Globo de fazer TV agora disponível a qualquer hora do dia.

A lógica do streaming, no entanto, é mais perversa do que parece. A promessa era liberdade, mas estamos presos em pacotes, contratos e interfaces desiguais. Pagar por tudo é impossível. Escolher virou um exercício de renúncia. O Brasil, um país que antes dormia aos domingos depois do Fantástico, agora maratona até as 3h da manhã, movido a notificações, rankings e vídeos promocionais.

Opiniões sobre as principais plataformas de streaming

  • Netflix:
    O McDonald’s do streaming. Tem de tudo, nem sempre gourmet, mas é rápida, acessível e sempre com algo novo no cardápio. Agrada quem busca variedade e praticidade, sem pensar muito. Netflix
  • Prime Video (Amazon):
    Um verdadeiro garimpo. Interface confusa, mas recheada de pérolas escondidas. Ideal para quem tem paciência para explorar e não quer gastar muito. Prime Video
  • Disney+:
    Um cofre da infância: seguro, nostálgico e bem-polido. Excelente para famílias e fãs de cultura pop, mas pode parecer limitado para quem busca conteúdo mais adulto. Disney+
  • Max (ex-HBO Max):
    O streaming da crítica. Produções densas, roteiros elaborados, estética caprichada. Um prato cheio para cinéfilos e fãs de séries premium. Max
  • Globoplay:
    O streaming do Brasil “raiz”. Une o tradicional e o moderno: novela, série gringa, jornalismo e reality. Útil para quem quer a Globo sem depender da TV aberta. Globoplay
  • Apple TV+:
    Uma galeria de arte digital. Poucos títulos, mas altíssima qualidade. Foco em inovação, estética e storytelling refinado. Apple TV+
  • Paramount+:
    Um mix de nostalgia com guilty pleasure. Para quem curte realities, séries da MTV e animações da infância. Interface ainda deixa a desejar. Paramount+
  • MUBI:
    A cafeteria hipster do streaming. Nada é por acaso, tudo tem conceito. Ideal para quem prefere Tarkovsky a Velozes & Furiosos. MUBI
  • Telecine (via Globoplay):
    Um refúgio para apaixonados por cinema, com curadoria de clássicos e lançamentos recentes. Excelente para o cinéfilo tradicional. Telecine

Confesso: sou daqueles que cresceram hipnotizados pelas aberturas da antiga HBO, onde cada série parecia mais um evento cinematográfico do que um simples episódio. Por isso, se me pedissem para escolher uma única plataforma como bússola principal nessa selva de streams, minha indicação seria a Max. A densidade narrativa, o cuidado estético e a consistência do catálogo colocam suas produções alguns degraus acima das demais não em quantidade, mas em impacto. Ainda assim, se seu perfil se encaixa melhor em outros estilos ou gostos, este guia certamente poderá ajudar a encontrar o serviço que mais combina com a sua forma de ver e viver histórias.

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Assistimos mais, mas lembramos menos. Trocamos a conversa de balcão da locadora pela frieza da recomendação algorítmica. Perdemos a curadoria humana, aquele “esse filme é a sua cara”, e ganhamos métricas que tentam adivinhar quem somos com base no que clicamos às pressas.

Nos anos 90, quem assistia a Um Sonho de Liberdade indicava com brilho nos olhos. Hoje, indicamos com links.

E você? Vai continuar assinando todas as plataformas na esperança de que alguma acerte seu gosto — ou vai aceitar que, talvez, seja hora de resgatar o tempo em que menos era mais? Quando a dúvida era entre dois filmes e a certeza era a de que valeria a pena. Afinal, o streaming venceu a televisão, mas será que venceu a experiência?

Fontes:

  • IBGE – PNAD Contínua TIC 2023
  • Datafolha – Hábitos de Consumo Digital 2024
  • Carolina Terra – Doutora em Comunicação pela USP, entrevista concedida ao Jornal da USP, jan/2024

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