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Ozzy Osbourne: O Último Grito das Trevas em Birmingham

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“As pessoas olham para mim e dizem: o fim está próximo?”

A pergunta, cantada por Ozzy Osbourne logo na abertura do seu derradeiro show solo, soou mais como uma confissão sussurrada aos céus cinzentos de Birmingham do que apenas parte da letra de I Don’t Know. E talvez porque, no último sábado, 5 de julho de 2025, naquele estádio lotado de memórias e guitarras distorcidas, o tempo tenha mesmo parado por alguns instantes. O Villa Park não foi apenas um palco: foi um portal para revisitar os infernos e glórias de uma lenda que, mesmo sem conseguir se levantar, conseguiu fazer o mundo inteiro ficar de pé.

Quando as trevas viraram luz

É verdade que Ozzy já vinha lutando contra o tempo. Aos 76 anos, debilitado pelo Parkinson e problemas severos na coluna, não faz um show completo desde 2018. Mas foi justamente sua fragilidade física que tornou essa despedida ainda mais brutalmente poética. Imóvel em um trono gótico, flanqueado por caveiras e couro preto, ele se apresentou como um rei medieval prestes a abdicar do próprio trono não por falta de poder, mas porque a guerra enfim chegou ao fim.

A trilha de entrada foi O Fortuna, de Carl Orff. Nada mais apropriado. Aquela música de ópera bombástica, já eternizada em trilhas sonoras épicas, anunciava não um show comum, mas uma cerimônia. Como se os deuses do metal estivessem prestes a receber de volta o seu profeta mais controverso.

Antes mesmo de Ozzy cantar uma única palavra, o público já chorava.

O tempo, esse roqueiro cruel

O festival “Back To The Beginning: Ozzy’s Final Bow” foi mais que uma despedida: foi uma homenagem em escala quase mitológica. A começar pelas bandas que esquentaram o palco: Guns N’ Roses, Metallica, Slayer, Pantera, Alice in Chains, Steven Tyler (Aerosmith) e Ronnie Wood (The Rolling Stones) todos ali, reverenciando a sombra do Sabbath. Cada um tocando músicas que definiram o DNA do heavy metal moderno, nascido justamente ali, em Birmingham, no fim dos anos 60.

Segundo dados do UK Music Live Report (2024), apenas 0,6% dos artistas britânicos que iniciaram suas carreiras antes de 1970 seguem ativos hoje. Ozzy não só sobreviveu ao tempo, mas o desafiou até o último riff. E ao seu lado, na segunda parte do show, estavam os irmãos de guerra: Tony Iommi, Geezer Butler e Bill Ward a formação original do Black Sabbath, junta pela última vez após 20 anos.

Entre crânios, guitarras e lembranças

As letras escolhidas para a ocasião não foram por acaso. Mr. Crowley, Suicide Solution e Mama, I’m Coming Home foram mais do que músicas: funcionaram como cartas abertas, revelações de um homem que sempre flertou com o abismo, mas que aprendeu, com o tempo, a tratá-lo como velho conhecido. Em sua cadeira, Ozzy alternava entre cantar e reger a plateia com os braços erguidos como um maestro de trevas algo entre o Fausto e um bispo profano.

No auge da emoção, Iron Man e Paranoid encerraram a jornada com a plateia em catarse coletiva. Em Paranoid, Ozzy pediu: “Mais alto! Mais alto!” e o público respondeu, quase como um ritual pagão. Entre fogos de artifício, telões com imagens dos anos 70 e um céu nublado que parecia chorar junto com os fãs, ficou claro: não era apenas um show. Era o fim de uma era.

“Todos nós deveríamos estar mortos”

A frase dita por Ozzy em um dos vídeos exibidos nos telões resume uma geração que desafiou todos os limites do corpo e da mente. Uma geração que viveu sem filtro, sem rede de segurança — e que fez do excesso sua estética. O Black Sabbath, nas palavras do historiador musical Simon Reynolds, “foi o embrião do metal moderno, uma tempestade de riffs sombrios que ecoa até hoje nos porões do mundo”.

Segundo a Organização Mundial da Saúde, doenças neurodegenerativas como o Parkinson atingem cerca de 10 milhões de pessoas no mundo. Poucas delas, porém, têm a coragem de subir em um palco e se expor com a intensidade que Ozzy mostrou. Como disse o neurologista britânico Dr. Daniel Weintraub, da Universidade da Pensilvânia, em entrevista à BBC:

“O desafio do Parkinson vai além do físico. Ele exige uma resiliência emocional que poucos conseguem sustentar.”

Ozzy sustentou. E mais: transformou a dor em espetáculo.

Fim ou novo começo?

Ao final, Ozzy se despediu do jeito que sempre viveu: entre aplausos, provocação e um certo ar de deboche existencial. Disse que “não tem medo da morte”, mas parece ter, sim, muito respeito pela vida. Uma vida que ele devorou como um morcego com fúria, ironia e apetite insaciável por criar barulho em um mundo cada vez mais silencioso.

A pergunta que resta é: o que acontece quando o silêncio chega para quem sempre fez do ruído sua casa? Talvez não saibamos a resposta agora. Mas sabemos disso: no dia 5 de julho de 2025, o rock não perdeu apenas um ícone perdeu seu xamã, seu arauto, seu louco favorito.

E você?
Num mundo onde a música virou algoritmo e o show virou clipe de 15 segundos, quantos ainda teriam coragem de morrer em cena — como Ozzy viveu?

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